segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Pequenos Milagres Judaicos



O Rabino Shlomo Carlebach, umas das personalidades judaicas mais originais e inspiradoras do século vinte, deve ter sido o cliente mais assíduo das companhias aéreas. Reconhecido internacionalmente como o "rabino cantor", ele tentava reconectar judeus de todas as partes do mundo com sua herança e, assim, ele literalmente cruzava o globo algumas vezes por ano. Ele era uma figura familiar e amada por aeromoças e pilotos de quase todas as grandes companhias aéreas americanas, e conhecia muitos pelo nome.

Em um de seus vôos, Shlomo foi servido por uma aeromoça loura de olhos azuis, que lhe causou curiosidade devido à pureza que ela irradiava. Ele ficou impressionado com a sua doçura e queria saber mais sobre ela, mas o avião estava lotado e as aeromoças pareciam sobrecarregadas de trabalho. Elas andavam para cima e para baixo do corredor, servindo comida e bebida, e mal conseguiam trocar mais do que algumas palavras com cada passageiro. Shlomo sabia que não era a hora ideal para uma conversa longa e calorosa. Assim, tudo o que ele sabia sobre ela era o seu nome, Kathy. Um nome que combinava bem com o seu bonito semblante, tipicamente americano e aristocrático.

Shlomo estava tão certo de que ela era descendente dos primeiros colonizadores americanos que ele ficou chocado ao passar pela copa do avião. Kathy, que parecia mais uma americana protestante estava rezando em um sidur! Ele esperou, em silêncio, até que ela completasse a sua reza e se aproximou dela.

— Sagrada irmã! – ele exclamou de modo efusivo ao saudá-la com seu típico cumprimento. — Você é um anjo do céu. Mas o que você está fazendo? Você não é judia, é?

Kathy explicou que, apesar de seus pais não serem judeus (conforme Shlomo suspeitara), ela sempre se sentira inexplicavelmente atraída pelo judaísmo.

— Eu não faço idéia de onde vem esse estranho e profundo amor – ela confessou –, mas isso foi sempre tão importante em minha vida que eu me converti recentemente.

Kathy contou a Shlomo que ela estudara por anos com um rabino ortodoxo, passara pela conversão e agora era uma judia observante. Shlomo e Kathy conversaram por algum tempo, até um passageiro chamar Kathy e Shlomo voltar para o seu assento.

Alguns minutos depois, Kathy se aproximou rapidamente de Shlomo:

— Já que você é um rabino, talvez possa me ajudar com um problema.

— Será uma honra e um privilégio poder ajudá-la, sagrada irmã – alegrou-se Shlomo, com seu jeito expansivo.

— Bem, o meu problema... – Kathy começou hesitante. — Meu problema é que estou apaixonada por um rapaz judeu, mas os pais dele, apesar de não serem nada religiosos, são contra o casamento dele com uma convertida. Eles têm agido de maneira horrível, gritando, chorando e ameaçando renegá-lo se ele se casar comigo. Nós nos amamos muito, mas ele também é muito dedicado aos pais e não quer causar nenhuma dor a eles. Por isso tudo, ele está dividido. E o mais irônico de tudo é que eu sou mais religiosa que os pais dele! Tenho medo que ele sucumba à pressão e desmanche o noivado. Será que você pode fazer alguma coisa para me ajudar?

— Vou fazer o possível – Shlomo prometeu. — Dê-me o telefone dos pais de seu noivo e, assim que eu chegar ao meu hotel, eu ligarei para eles. Farei de tudo para convencê-los a abençoar em vez de se oporem ao casamento.

Quando Shlomo ligou para o pai do noivo de Kathy, o homem estava hostil e fechado. Apesar de todas as tentativas de fazer o pai escutar a razão, Shlomo percebeu que não fizera nenhum avanço. Suas súplicas entraram por um ouvido e saíram pelo outro. Mas Shlomo não era de desistir facilmente. Ele insistiu, e o pai ficou colérico. Finalmente, o homem desabafou:

— Escute aqui, eu sou um sobrevivente do Holocausto, e eu me afastei do judaísmo por tudo o que Deus fez com o povo judeu. Mas, ainda assim, se meu filho se casar com uma não-judia, eu mato ele!

Shlomo logo percebeu que era impossível travar um diálogo razoável com o pai e se despediu. Ele ligou então para Kathy, para lhe contar, ressentido, que ele não conseguira nada.

Mas foi o pai de Kathy quem atendeu ao telefone, e ele também era contra a união. Ele ficou bravo por Shlomo ter tentado mediar a situação entre as duas famílias e o repreendeu por sua "interferência". Após escutar em silêncio todas aquelas palavras, Shlomo respondeu não com palavras duras, mas com uma lição tirada do Talmud.

Agora que Deus terminou de criar o mundo, pergunta o Talmud, o que Ele faz o dia inteiro? O Talmud responde que Ele passa um terço do dia combinando casais.

— Eu só estou tentando dar uma ajudinha a Deus! – disse Shlomo, bem-humorado. — É óbvio que sua filha e o noivo se amam muito. Não seria uma vergonha se eles não se casassem?

Alguma coisa na voz de Shlomo tocou o homem, porque ele começou a chorar.

— Vou lhe contar um segredo que ninguém mais sabe – ele disse a Shlomo –, e até você me ligar achei que eu jamais contaria a alguém. Eu e minha esposa não somos cristãos... Somos judeus! Na verdade, somos sobreviventes do Holocausto, mas, devido a tudo o que Deus fez conosco, acabamos por odiar a religião e renunciamos a ela. Nós nunca nos convertemos oficialmente, mas fingimos ser cristãos e demos a nossos filhos uma educação secular. Até hoje eles não sabem a verdade, não sabem quem eles são.

— Mas, nesse caso – disse Shlomo –, Kathy é na verdade judia de nascença e não há mais problema! O pai do noivo dela se opõe à ascendência não-judaica dela. Se você falar a verdade, não haverá mais nenhum obstáculo ao casamento deles.

O pai de Kathy concordou em contar a verdade a ela, e Shlomo passou as próximas horas no telefone, fazendo uma série de ligações entre os pais de ambos os noivos. Finalmente, ele conseguiu marcar um encontro de todos no seu quarto de hotel, no dia seguinte.

Quando ambos os pais foram apresentados formalmente e se levantaram para apertar as mãos, ambos empalideceram simultaneamente, de choque. Uma série de emoções – confusão, espanto, dor e medo – passou pelo rosto deles em uma rápida sucessão.

— Herschel! – gritou um, alegre.

— Yankel! – gritou o outro de alegria.

— Você está vivo! – gritaram os dois ao mesmo tempo.

Para espanto de todos os demais presentes, os dois homens caíram nos braços um do outro e choraram.

— Nós éramos melhores amigos na yeshivá, antes da guerra – eles soluçavam enquanto explicavam para sua esposas e filhos. — Estudávamos o Talmud juntos, éramos parceiros de estudo... mas eu tinha certeza de que você estava morto! – eles exclamaram simultaneamente, olhando um para o outro em uma mistura de angústia e surpresa.

Assim, o primeiro encontro entre os pais, que Shlomo organizara tão apreensivamente, não terminou como ele esperava. O encontro acabou se transformando em uma reunião cheia de lágrimas. As comportas se abriram e as lembranças de uma era perdida para sempre foram evocadas. Os dois homens falaram de sua juventude com aflição, nostalgia e saudades. No final, um olhou para o outro e disseram com um sorriso meio torto:

— Lembra-se do pacto que fizemos um dia, quando sonhávamos com o futuro?

O outro riu, deliciado com a lembrança.

— Claro que sim! Que estranho, muito estranho! – murmurou ele, enquanto se virava para Kathy e o noivo.

— Isso é tão misterioso quanto um conto chassídico – ele disse –, mas prometo que é verdade. Quando éramos estudantes da yeshivá, prometemos que seríamos amigos para sempre. Queríamos que nossos destinos esti-vessem sempre ligados, não conseguíamos imaginar um futuro longe um do outro. Então, para solidificar a nossa amizade, um dia nós caprichosamente juramos que, quando nos casássemos e tivéssemos filhos, nós faríamos o noivado deles. E parece que, mesmo que tenhamos esquecido essa promessa, Deus não esqueceu. Contra tudo e contra todos, nossos filhos se conheceram, se apaixonaram e cumpriram com a nossa palavra.

Pequenos Milagres Judaicos para saber mais sobre este livro, acesse o link:

Editora e Livria Sêfer
www.sefer.com.br
A livraria Judaica do Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário