quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Sobre carros e animais, trens e aviões, culpa e perdão, pais e filhos



"E falaram-lhe todas as palavras que José lhes havia dito,
mas ao ver os carros que José mandou para levá-lo,
o espírito de Jacob, pai deles, reviveu." (Gênesis 45:27)


Um dos momentos mais pungentes na Bíblia é o do encontro entre o velho pai Jacob e seu amado filho José, de quem ele esteve afastado por 22 anos. Jacob-Israel deixa a terra de sua herança e parte para a estranha e desconhecida terra gentia do Egito, a fim de se reunir com o filho, que supunha para sempre perdido há muito tempo. A Bíblia nos conta que quando Jacob viu os carros que José mandara para transportá-lo, seu espírito "reviveu" (Gênesis 45:27). O que havia de especial nestes carros para fazer reviver o espírito de Jacob? Seria o custo da viagem tão proibitivo para o patriarca, que somente por seu filho estar querendo lhe fornecer o transporte ele já estava pronto para fazer uma jornada difícil?

O Rashi comenta que os "carros" (agalá) são, na verdade, uma sutil alusão ao trecho da Torá que fala sobre a eglá arufá (o novilho cujo pescoço é quebrado pelos anciãos como expiação por um assassinato cujo perpetrador é desconhecido) e que era a porção que pai e filho estavam estudando juntos imediatamente antes do desaparecimento de José. Talvez a citação do Midrash feita pelo Rashi não vise somente explicar o jogo de palavras feito com eglá arufá, a recordação de sua última seção de estudos conjunta. Lembremos que os anciões da cidade tinham de ir até um riacho, trazer o novilho do sacrifício em expiação pelo crime de autor desconhecido. Ali, os anciãos tinham de declarar: "Nossas mãos não derramaram este sangue, e nossos olhos não viram" (Deuteronômio 21:7). Acaso alguém acreditaria que os anciões são responsáveis pelo crime? Mas o Talmud de Jerusalém afirma que eles tiveram responsabilidade cartorial por um assassinato ocorrido em sua cidade, aparentemente porque o perpetrador estava necessitado de dinheiro, ou tinha problema com drogas, ou era mentalmente perturbado e não houve um adequado serviço de assistência social no local que impedisse tal crime de acontecer. Os anciãos devem procurar fazer expiação por sua falta de previsão e o novilho (eglá) é o símbolo do perdão.

De forma similar, Jacob, o ancião da família, não era diretamente responsável pela venda de José, mas certamente lhe faltara a capacidade de previsão na "administração da relação entre os irmãos". Se ele jamais suspeitasse do que realmente aconteceu, uma suspeita que ele não ousava admitir, pois do contrário teria de banir todos os filhos, exceto Benjamim, ele deve ter sido consumido pela culpa de ter mandado José para verificar como estavam seus irmãos. Talvez a agalá-eglá fosse a mensagem ao pai de que ele aceitava como expiação os 22 anos de sentimento de luto e o perdoava completamente.

Além disto, ouvi uma interpretação completamente diferente deste versículo, um comentário que faz ressoar um acorde muito especial na busca da verdade que sempre preocupa os pais.
A que se pode comparar isto nos tempos atuais? Um filho precoce e cosmopolita deixa a casa tradicional de seu pai para prosseguir seus estudos ou para exercer sua carreira em um lugar distante. Após um longo hiato no relacionamento, o filho avisa ao pai que está pronto para reencontrá-lo. O pai está, entretanto, cheio de medos e incertezas. Será que o filho se manteve fiel às tradições de seu povo? Até onde terá peregrinado espiritual e emocionalmente, afastando-se de seu lar? Se o filho vem, então, visitar o pai num Shabat ou num Chag, as perguntas do pai continuam sem resposta. Afinal, o filho pode sempre "representar" o papel de religioso por um curto espaço de tempo. Mas se o pai recebe do filho uma passagem, seja de trem ou de avião, com o pedido de que o pai venha ficar na casa do filho, o pai se sente aliviado e compreende que nada tem a temer. Afinal de contas, se o estilo de vida do filho tivesse se tornado muito diferente e ele tivesse se afastado dos valores cultuados por seu pai, o filho não teria convidado o pai para vir à sua casa. Ao convidar Jacob para o Egito, José estava afirmando que seu pai não ficaria mortificado com o estilo de vida de seu amado filho, mesmo no ambiente do Egito. Por isto, quando Jacob viu os carros enviados por José para levá-lo ao Egito, seu espírito reviveu.


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