quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Tentativa e Erro




Bó (Êxodo 10:1-13:16)





Após sete pragas e com a oitava pendente, o Faraó cede à pressão de seus cortesãos. São cuidadosos em não fazer referências exageradas que favoreçam a imagem de Moisés, ou demonstrar qualquer admiração por suas ações. Quando dirigem um apelo ao Faraó "para tomar uma atitude" antes que seja tarde demais e todo o Egito seja destruído, procuram não mencionar o nome de Moisés.

"Até quando isto será um impedimento para nós?" perguntam ao seu monarca (Êxodo 10:7). Naturalmente, eles não afirmam que "isto", Moisés, deveria ser considerado como um fator político ou militar. Ele é apenas "um impedimento", mas por outro lado: "Ainda não notastes que o Egito está perdido?"

Nesse ponto, o Faraó convoca Moisés e Aarão para lhes propor um acordo. Ele está agora disposto "em princípio" a considerar a autorização de saída que os israelitas pediram, "Ide" – disse ele. Mas pergunta: "Quem são os que vão?" (ibid. 10:8)

O Faraó está pronto a permitir que os "perturbadores da ordem" saiam, mas nega a existência de qualquer "problema judaico" no Egito. Insinua que, de fato, muito poucos se prevaleceriam da histórica oportunidade de "fazer as malas" e partir. Quando chegar a hora de sair do Egito, "Quem são os que vão?"

Outra interpretação sugere que a intenção do Faraó era impor a Moisés a forma de êxodo tal como ele a entendia.

"Quem é quem, dentre os que vão?" – o Ramban (Nachmânides, 1194-1270) assim o interpreta: uma vez que servir a Deus era um grande evento, segundo o Faraó, apenas as pessoas de importância deveriam dele participar. Moisés deveria relacionar todos os israelitas "importantes" e certificar-se de que participariam do evento "unicamente os convidados", como era costume no Egito, em ocasiões semelhantes.

A resposta explícita de Moisés a essas duas sugestões coloca o Faraó em seu devido lugar.

Com nossos jovens e com nossos velhos iremos, com nossos filhos e com nossas filhas, com nossos rebanhos e com nosso gado iremos, pois temos uma festa do Eterno. (ibid. 10:9)

Participar da celebração do Deus de Israel não é privilégio de uma elite selecionada, mas de todo o povo. Todos estão incluídos no desejo de sair do Egito.

"Com nossos jovens e com nossos velhos iremos, com nossos filhos e com nossas filhas." Moisés sublinha primeiro "com nossos jovens", antes mesmo dos velhos. Ele quer falar ao Faraó sobre o crescimento de "nossos filhos e nossas filhas", a admirável e corajosa juventude que miraculosamente ascendeu durante os anos de servidão.

Os conceitos de celebração religiosa do Faraó e de Moisés são inteiramente diferentes. "Não deve ser assim!", disse o Faraó. "Ide, rogo, vós os homens, e servi ao Eterno, que é isto o que procurais." (versículo 11). Ele tenta impor seu modo de pensar aos israelitas, aos quais "bondosamente" permite agora deixar o Egito, para praticar sua religião.

"Ide, rogo, vós os homens!" O Faraó é o primeiro machista chauvinista religioso (mas não o último!). Em sua perspectiva machista não há espaço para as mulheres, provavelmente nem para os idosos, que devem ficar em casa. Mas Moisés não concorda: "Com nossos jovens e com nossos velhos iremos, com nossos filhos e com nossas filhas."

As negociações são interrompidas. O Faraó retoma sua atitude inflexível. Moisés e Aarão, que haviam sido chamados para discutir um acordo, são expulsos "da presença do Faraó". (ibid. versículo 10)

Entretanto, esse não é o fim. As negociações são retomadas após duas pragas e, de novo (10:24), o Faraó convoca Moisés e Aarão, dizendo: "Ide, servi ao Eterno! Somente vossos rebanhos e o vosso gado deixai; também vossas crianças irão convosco."

E de novo Moisés recusa, categoricamente: "E nosso gado também virá conosco; não ficará um casco, porque dele tomaremos para servir ao Eterno, nosso Deus; e nós não sabemos como serviremos ao Eterno até chegarmos lá." (versículo 26)

Ao que tudo indica, essas últimas palavras – proferidas por Moisés como uma declaração efetiva numa transação diplomática – expressam ao mesmo tempo uma profunda verdade teológica. Demonstram que, quando se trata de servir a Deus, não se devem esperar fórmulas prontas e fáceis. O verdadeiro culto a Deus exige indagação e descoberta contínuas, mediante penosas tentativas e erros, dúvidas e conclusões sempre renovadas a respeito da fé. "E nós não sabemos como serviremos ao Eterno até chegarmos lá."



O Rebe Chaim de Sandz, um dos grandes mestres chassídicos, que viveu há cem anos, costumava instruir seus discípulos sobre as maneiras de servir ao Eterno. Certa vez, estava à janela da casa de estudos, quando passaram alguns de seus discípulos:

– Venha cá – chamou um deles. – Diga-me: se lhe acontecesse de achar uma carteira cheia de dinheiro no Shabat, quando não é permitido a um judeu tocar em dinheiro, o que faria? Você a apanharia?

– Claro que não – apressou-se em responder o jovem chassid.

– Tolo – retrucou o mestre, chamando outro jovem estudante.

– E você, o que faria em situação semelhante? Apanharia e ficaria com a carteira cheia de dinheiro?

– Oh, sim – respondeu o jovem chassid, depois de ouvir a reprimenda feita pelo mestre ao seu amigo.

– Pecador! – repreendeu o mestre, chamando um terceiro discípulo.

– E você, o que faria? – perguntou.

O terceiro jovem, depois de ouvir a censura do mestre aos dois primeiros, respondeu hesitante:

– Não sei. A princípio, ao encontrar a carteira, lutaria comigo mesmo para decidir se devia ou não apanhá-la. Gostaria de ser capaz de tomar a decisão correta e não apanhá-la.

– Finalmente, a resposta certa! – disse o Rebe Chaim voltando-se para seus discípulos.

Realmente, "nós não sabemos como serviremos ao Eterno até chegarmos lá".

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